CAMPINAS/SP
É preciso acabar com a farsa do Kit Covid e focar no combate à pandemia.
Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.
O nosso inimigo é o vírus Sars-Cov-2, mas infelizmente temos que combater também o vírus da desinformação e das fake News defendidas por pessoas comprometidas com uma estratégia política manipuladora e irresponsável.
No país que distribui kit Covid para tratamento precoce ou imediato, contendo ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e agora defende até o embuste nitazoxanida, onde sobra um tsunami de informações falsas e ignorância estrutural, mas falta vacina, falta kit intubação, falta oxigênio, falta teste de diagnóstico e falta vontade política para combater a pandemia, o vírus encontrou o cenário ideal para se espalhar.
Surpreendentemente, na contramão de todos os países, o Brasil adota os medicamentos do kit Covid no combate à Covid-19, apesar de todas as evidências científicas contrárias que mostram sua ineficácia e seus efeitos tóxicos. Por aqui, este famigerado kit é defendido por políticos, jornalistas e líderes evangélicos que não entendem nada de ciência, que se juntaram ao exército da pseudociência, que conta com alguns pseudocientistas e médicos. E a prática estimula a automedicação e o consumo excessivo de medicamentos sem supervisão médica, cujas combinações podem trazer enormes prejuízos à saúde devido às interações medicamentosas e até matar.
Diplomas, ética, dignidade moral, responsabilidade cívica e social, parece que está tudo sendo jogado no lixo. Mas no Brasil de hoje, tudo é permitido, até defesa do charlatanismo nas redes sociais e em programas de rádio e TV. São atos políticos com fins eleitorais disfarçados de atos médicos e alguns programas jornalísticos cheios de estratégias de manipulação e proliferação de informações falsas.
Ah, mas dizem os negacionistas: há uma conspiração internacional entre a OMS, as grandes farmacêuticas mundiais produtoras de vacinas, as melhores revistas científicas internacionais, os cientistas, muitos deles professores das universidades públicas brasileiras, esses comunistas, esquerdistas e esquerdopatas, que defendem pautas sociais, coletivas e humanistas, além das associações médicas, os grandes hospitais, os governos de esquerda, de centro e até de direita do mundo inteiro. Segundo esses fundamentalistas, todos viraram comunistas e se uniram em uma grande conspiração mundial para prejudicar quem está governando o Brasil. É assustador.
Fato é que nenhuma autoridade de saúde pública séria e respeitada, recomenda o uso “off label” dos medicamentos do kit Covid. A OMS (aqui e aqui), Anvisa, FDA (aqui e aqui), a EMA (aqui e aqui) e as agências regulatórias do mundo inteiro as principais associações médicas e científicas mundiais, pelo contrário, todas alertam para complicações renais, hepáticas e cardíacas e contraindicam o uso dos medicamentos do kit Covid em qualquer estágio da doença.
A Associação Médica Brasileira, as dezenas de sociedades científicas e associações federadas e a sociedade brasileira de infectologia, defendem que esses medicamentos sem eficácia contra Covid-19 sejam banidos.
O Youtube comunicou que vai tirar vídeos de sua plataforma contendo desinformação e recomendação de uso do kit covid, removendo conteúdos que contenham as palavras-chave: ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, além de mentiras sobre eficácia do falso tratamento precoce.
Na França, onde a farsa da cloroquina surgiu, eles zombam do Brasil. No discurso durante a Assembleia Nacional da França em que anunciou a suspensão de voos entre França e Brasil, o primeiro-ministro francês levou o Parlamento às gargalhadas ao mencionar que o Brasil usa cloroquina para tratar a Covid-19. Na França, o uso das cloroquinas é proibido desde meados de 2020, enquanto no Brasil, tem médicos usando até nebulização com cloroquina, prática que está levando a mortes (Em Manaus médicos ignoram protocolos para ministrar nebulização de cloroquina em maternidade e Entidades de Santa Catarina se manifestam sobre nebulização com hidroxicloroquina).
É surreal, é lamentável e além de pária internacional, o Brasil virou um grave risco sanitário para o mundo, vários países proíbem voos do Brasil e nós viramos piada e chacota internacional porque só aqui se distribui kit Covid, que traz prejuízos para a saúde pública e aumenta o risco de óbitos.
Cada vez mais aumenta o número de pessoas com casos graves de Covid chegando nos hospitais e após usarem os medicamentos do kit precoce, que podem esconder os efeitos da doença, podem retardar os sintomas mais graves da Covid e quando a pessoa começa a sentir os efeitos, pode ser tarde. Nas cidades brasileiras que adotaram o kit Covid, o número de infectados e óbitos só aumenta.
Uma meta-análise publicada recentemente na revista científica Nature, uma das mais respeitadas no mundo, mostra aumento de mortes relacionado ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina e mostra que não há qualquer benefício no uso destes medicamentos. Esta meta-análise usou publicações nas melhores revistas internacionais, dados do estudo Recovery da OMS e estudos clínicos registrados no clinicaltrials.gov.
Não custa alertar a população que a ivermectina pode levar a problemas neurológicos, danos no fígado, hepatite medicamentosa podendo levar a necessidade de transplantes de fígado e é contraindicada para mulheres grávidas, pois pode levar à má-formação congênita. Ivermectina contra a Covid não é nem placebo, é um risco, dependendo da dose que você está usando e da combinação com outros medicamentos. Eu já me manifestei sobre uma meta-análise fraudulenta da ivermectina.
Com o uso indiscriminado do antibiótico azitromicina, sem as pessoas terem infecção bacteriana, poderemos viver um cenário de bactérias super-resistentes (Uso desenfreado de antibióticos na pandemia pode levar a "apagão" contra bactérias resistentes e Bactérias mais resistentes: o perigoso efeito colateral da pandemia de corona) no futuro e aumento de infecções hospitalares, considerada pela ONU e OMS, uma das 10 maiores ameaças à saúde pública no mundo. Será uma festa para as bactérias, como está sendo para o vírus hoje.
Mas os médicos negacionistas afirmam que as suas opiniões pessoais valem mais do que ciência bem-feita e baseada em estudos científicos padrão ouro, defendem uma narrativa política cruel e são ajudados por pseudocientistas e alguns jornalistas que seguem a mesma cartilha de poder.
E os órgãos e conselhos de classe que deveriam fiscalizar, não fiscalizam, pois são coniventes com tal prática que nos remete ao começo do século passado, durante a gripe espanhola, em 1918. Estes órgãos defendem a autonomia do médico, para que estes possam usar intervenções ineficazes, mesmo que perigosas, às custas da saúde, da segurança e do bem-estar de seus pacientes. Tudo vale a serviço de uma agenda política e para atender interesses financeiros escusos. Eu não sou contra a autonomia dos médicos, mas é ético falar em autonomia mesmo colocando em risco a saúde e a vida dos pacientes para atender um projeto de poder?
Para receitar o kit covid, basta haver consenso entre médico e paciente, que em muitos casos ambos são partidários de uma mesma corrente política, como se fosse um acordo entre membros de uma seita. Ou entre um médico favorável e um paciente indefeso, que confia no profissional. Ou entre um médico contrário à prática nefasta e um paciente que exige o tratamento.
Aí, o médico receita, o paciente assina, os órgãos responsáveis que deveriam fiscalizar e coibir a prática dão apoio, a mentira se espalha e o vírus também. Ah, mas se não faz mal, pode usar. Nananinanão, faz muito mal sim. Engana, traz prejuízos para a saúde das pessoas e para o controle da pandemia e pode matar. E o vírus adora, é tudo que ele quer e aí as variantes de atenção vão surgindo, porque vacina para todas e todos, que é bom, só em Israel e outros países onde esse negacionismo científico não tomou conta. Aqui, nós temos o vírus Sars-CoV-2, temos o vírus do negacionismo científico, das fake News e alguns jornalistas e pseudocientistas mentindo descaradamente nas redes sociais.
Mas muitos bons profissionais médicos se rebelaram, pois não aceitaram as imposições e coerções de alguns hospitais, de alguns planos de saúde privados e órgãos de classe para empurrar goela abaixo da população, a mentira em forma de medicamentos ineficazes contra a Covid-19. Como vem sendo denunciado na imprensa, muitos bons profissionais vêm sofrendo abusos, retaliações, ameaças ou sendo demitidos por não aceitarem aderir à farsa e ter que atingir a meta de distribuir indiscriminadamente um número X de receitas do kit Covid-19 por mês. Pasmem, entre os médicos, em alguns locais, tem meta a ser atingida. Parece loja de shopping center. Eu pergunto que autonomia é esta que obriga médicos a aderirem ao suposto tratamento precoce com o kit Covid ou serão penalizados? Eu espero que estejam fazendo pelo menos exame clínico para conhecer o histórico dos pacientes antes de prescrever o kit precoce.
TEXTOLUIZ CARLOS DIAS | INSTITUTO DE QUÍMICA FOTOSDIVULGAÇÃO PIXABAY EDIÇÃO DE IMAGEMPAULO CAVALHERI
LEIA NA ÍNTEGRA:
https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-carlos-dias/e-preciso-acabar-com-farsa-do-kit-covid-e-focar-no-combate-pandemia (COPIE E COLE)
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