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ENTREVISTA

 

NEI LOPES  

"Samba de raiz não existe. Samba é samba"


Nei Lopes, carioca de Irajá é sambista. O quarto a se apresentar no projeto cultural “Mestres do Samba no Boteco”, do Tonico’s Boteco. Aos 60 anos, intelectual, pesquisador e escritor, milita desde a juventude no Movimento Negro Brasileiro. Advogado, escritor, e compositor profissional a partir de 1972 - quando largou a advocacia para dedicar-se à música - luta pelo rompimento das fronteiras discriminatórias entre o samba e a chamada MPB. Para isso gravou com músicos como Guinga, Zé Renato, Fátima Guedes e Moacyr Luz. Nei pesquisa as origens do samba, desde a diáspora africana. É autor de uma vasta obra literária publicada em livros e periódicos. Militante do Movimento Negro Brasileiro, relançou esse ano o Dicionário Banto do Brasil, depois dos verbetes receberem mais de 200 citações no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Desde 1995, Nei trabalha na elaboração da Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, sua obra mais ambiciosa, que contempla centenas de verbetes sobre o universo do samba e do choro.


Comunicativa - O que é samba de raiz?

Nei - Samba de raiz não existe. Samba é samba. A minha discussão quanto a isso é exatamente sobre essa rotulação. O samba tem várias formas, umas boas outras más. O importante é a gente distinguir as formas que nos interessam. Quer ver uma coisa interessante? Ninguém rotulou o samba jazz. Há muito tempo se faz samba instrumental, bossa nova instrumental, como o dos grupos ‘Samba Trio’ e o ‘Sambalanço’. Eu não discuto a legitimidade desse tipo de samba. Na época que não existia a sigla MPB, tudo era samba. Então você tinha várias formas de apresentar esse samba, e a forma de orquestra sempre foi uma forma muito bonita. Quando, no auge da bossa nova, se começou a tocar o samba instrumental com piano, baixo e bateria com improvisações ‘jazzísticas’, eu nunca vi como uma coisa espúria que me incomodasse. Aquilo pertencia ao universo do samba há muito tempo. O que me incomoda é querer transformar o samba num híbrido pra pasteurizar em nível internacional. Eu vejo nesse rótulo (samba de raiz) uma forma da indústria cultural dizer que o samba tradicional é uma forma passadista e inventa novas fórmulas.


Então o fato das grandes gravadoras estarem redescobrindo o valor cultural do samba pode ter um efeito nocivo, por transformarem ele em um produto?

Olha, desde que eu me conheço, existe isso (risos). Tempos em tempos o samba caí naquela coisa do “poço”, dizem que vai acabar. Daqui a pouco vem a indústria cultural, dá-lhe uma roupa, cria alguma coisa pra dizer que ele é moderno. Isso foi com a bossa nova.

Qual desses movimentos dentro do samba foi o mais significativo na sua opinião?

Eu acho que o pagode de fundo de quintal foi a revolução mais importante que aconteceu dentro da música brasileira depois da bossa nova. Porque a bossa nova, quer a gente queira quer não, tinha um propósito colonizante. Eu tenho em casa uma entrevista, que guardo com o maior carinho, do Tom Jobim nos Estados Unidos, dizendo que o samba tradicional tinha muita célula, era muito complicado musicalmente. "Então nós pegamos" - ele dizendo - "e desossamos, tirando o excesso de poli ritmias para o mercado externo poder absorver." Porque a bossa nova não tem pandeiro? Porque pandeiro é a maior complicação, "pô"!

As gravadoras têm um tratamento interessante, artisticamente falando, com o samba hoje?

Não. Eu acredito que haja uma estratégia das grandes gravadoras no sentido de criar uma música só para o mundo inteiro, e poder ter controle e domínio. Um mercado universal.

Qual o preconceito que existe da sigla MPB em relação ao samba?

Se você pegar os textos de crítica musical anteriores a
"eras dos festivais", o que se chama hoje de MPB, tudo era samba, o samba de Chico Buarque, o samba de fulano, de ciclano... Desde que se criou na época dos festivais essa música que recebeu, naquele momento, o nome de música universitária, há um preconceito de classe. É a música dos universitários e a música dos analfabetos. Minha grande bronca foi com a rotulação. Criaram inclusive uma sigla. Num contexto de ditadura, de militarismo, em que tudo se resolvia com siglas, tudo era sigla, tudo era formulação, supostamente científica. Até no futebol. Overlapping, ponto futuro, “drible não pode, não pode dá "ovo", não pode dá finta, isso é coisa de analfabeto, futebol tem que ser jogado com consciência e educação física acima de tudo”. Então, a sigla é forma de discriminação.

Então, onde fica o samba em relação à MPB?

MPB define, teoricamente, a música popular brasileira. Eu penso que a corrente principal da música popular brasileira é o samba. Então não dá pro o samba ficar fora dessa.

As parcerias com nomes ligados à sigla MPB, como o Zé Renato, Guinga, Fátima Guedes, contribuem na luta contra esse preconceito?

O trabalho do Zé Renato, por exemplo, é importantíssimo para desestigmatizar o samba. Vem cá, se o samba é tão ruim, uma coisa tão pobre, tão favela, tão preto, por que que o Zé Renato canta?

Essa luta já teve algum resultado?

A culminância desse projeto contra o preconceito foi quando recebi o convite para escrever letras para as músicas do maestro Moacir Santos, no projeto “Ouro Negro”. O Moacir é genial. Ele também é preto, de família pobre. Aprendeu música na banda do exército, e hoje é considerado o maestro dos maestros no Brasil. Só que não tinha nenhuma letra em português para as suas composições. Para escrever eu estudei toda a biografia do Moacir. Entrei dentro da vida dele e fiz cinco poesias, gravadas por Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan, João Bosco e Ed Mota.

Quando o senhor começou a se interessar pelas raízes africanas?

Desde muito cedo. Ainda bem menino eu colecionava recortes de revistas e jornais de pessoas negras importantes. Até hoje nunca fui em um analista para saber porque fiz isso (risos). Meu pai nasceu um ano antes da abolição, 1988 e minha mãe um ano depois, e nós sempre fomos afastados da discussão sobre a negritude. Sempre nos foi dito que ser preto era uma coisa negativa, uma coisa que nos ia levar para traz. Daí eu comecei a perceber que a coisa não era bem assim. Quando eu via alguma pessoa proeminente numa revista, dizia: “Pera aí, esse cara é preto mas ele é um Luis Armstrong. Esse é preto mas é o Pixinguinha, o Zizinho. Isso me acompanhou durante toda a minha vida.

E a militância negra?

No Centro acadêmico da Faculdade Nacional de Direito (RJ), como era natural, me aproximei da esquerda, e me filiei ao ‘PCBão’ (PCB) em 1962. Dentro do partido comecei a levantar a questão e fui rechaçado. O assunto era um tabu para a esquerda naquela época. Eles diziam que "não, tudo vai se resolver dentro de um grande sistema de classes." Daí eu era acusado de ser portador de desvio ideológico no partido. E em casa meu irmão mais velho, que era kardecista, dizia que eu estava com um encosto de um espírito africano(risos).
O estudo sistemático veio depois. Na universidade eu conheci uma moça com quem me casei, de quem hoje estou separado e que é mãe do meu filho. Ela era negra e tinha uma condição social diferente da minha. Diferente pra cima. Por conta disso era inserida na discussão da negritude no ambiente familiar. Foi aí que eu comecei a me envolver na militância cultural negra, que era muito tímida na década de 60. A conscientização me levou à militância efetiva no campo da cultura, que eu acredito que é a melhor ferramenta dessa luta.



 


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