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Campinas-SP

 


ENTREVISTA

 

GUILHERME DE BRITO  

"Me dê as flores em vida..."


Por Timóteo Camargo, em 29/8/2003


Aos 82 anos de idade, o músico e poeta Guilherme de Brito veio a Campinas/SP pela segunda vez em um ano para cantar melodias e versos antológicos, como os de ‘A Flor e o espinho’ ( “Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”). Se apresentou em duas noites no Tonico’s Boteco(20 e 21/agosto/2003), no centro da cidade. Durante a primeira apresentação, dia 20 de agosto, além da reverência do público, seu Guilherme e dona Nena, sua esposa, receberam flores em comemoração aos 58 anos de casamento. Sobre a segunda noite, ele mesmo declarou que “é sempre mais triste a despedida”. Foi sim, triste pela despedida, mas tão inesquecível quanto a primeira pelo carinho mútuo do artista e seu público.
Nascido em Vila Isabel, Guilherme de Brito iniciou a carreira artística em 1955, quando suas primeiras músicas foram gravadas por Augusto Calheiros na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Pouco tempo depois ele conheceu Nelson Cavaquinho e iniciou a parceria que resultou em diversos clássicos, obras-primas como “Pranto de Poeta” e “Quando Eu Me Chamar Saudade”. Hoje ele e dona Nena vivem no bairro de Bonsucesso. Recentemente seu Guilherme ganhou um museu em Conservatória/RJ, povoado encravado na serra fluminense, considerada a capital nacional dos seresteiros. Lá encontra-se a primeira carta de uma fã, seu primeiro violão, além do primeiro cachê, recebido na rádio Vera Cruz e que conservou porque "estava duro, mas foi uma honra tão grande, que não tive coragem de gastar" – como explicou.
Nessa entrevista, ao lado de sua companheira, seu Guilherme se emocionou ao falar da infância pobre, lamentou o reconhecimento tardio de sua obra e entristeceu-se ao falar das injustiças que sofreu. Mas afirmou não guardar nenhum rancor, negando-se a identificar malfeitores, aos quais se referiu apenas como “eles”. Apesar do andar frágil e da voz fraca que testemunham a ação dos anos e da boemia, disse que não tem medo da morte. Contou que já está trabalhando em seu terceiro disco em dois anos (foram somente quatro durante todos os 65 anos de sua carreira) e falou da vontade que tem de voltar a Campinas. A primeira vez que se apresentou na cidade, também no Tonicos Boteco, foi exatamente há um ano atrás, com dois shows em agosto de 2002.


As suas melodias geralmente são dolentes e os seus versos melancólicos. O senhor se considera uma pessoa triste?

Guilherme: Eu aprendi a conviver com a tristeza. Minha vida sempre foi triste. A vida que eu vivi de luta e sofrimento me marcou muito. Eu não pude estudar porque meu pai morreu muito jovem e eu tive que trabalhar pra ajudar em casa. Sofri com a minha mãe. (Seu Guilherme se emociona). E a melhor forma de eu botar isso pra fora é através da música e da pintura.

O que dá mais consolo: a música ou a pintura?

Guilherme: A Arte é um todo na minha vida. Sempre lutei com dificuldades e necessidade, então tem a hora que você desabafa, tanto pintando como compondo. Eu não sei te dizer o que me entusiasma mais hoje. Mas foi na pintura que eu tive minha primeira grande alegria. Eu comecei fazendo desenhos na calçada da Dona Carlota em Vila Isabel (RJ) quando era criança. Depois disso desandei a pintar. Em um encontro de pintura na Base Aérea do Galeão pintei um quadro que chamei “O Sonho”. Era a imagem do Santos Dumont chegando à Lua com o 14 Bis. Quando cheguei à exposição meu quadro estava em primeiro plano com toda aquela gente olhando. Foi muito emocionante. Recebi como prêmio uma viagem para Fernando de Noronha.

Na maioria dos seus quadros um elemento constante são instrumentos musicais. Como é essa relação de música e pintura?

Guilherme: As pessoas sempre me perguntavam o que a minha música tinha a ver com a minha pintura. Na verdade não tinha nada a ver. Eu ia pintar um quadro de São Francisco, pintava o São Francisco normal. Mas, de tanto me tentarem, acabei achando por bem relacionar a música com a pintura. Então sempre que eu pinto um São Francisco eu ponho um instrumento musical.


O senhor viveu da época da malandragem e andou no meio de malandros ilustres. Guilherme de Brito foi um malandro?

Guilherme: Não. Eu me considero um esperto. Eu conheço tudo. Sei quando malandro vem com conversa mole para o meu lado. Eu conheço porque vivi no meio da malandragem. Ninguém nunca me passou pra traz. Então não venha pra cá com conversa afiada porque eu estou ativo. Eu trabalhei desde os catorze anos. Isso não me impedia de visitar a malandragem. Ontem no show cantamos uma música minha, “Tatuagem”. Fiz essa música por causa de uma tatuagem que eu tenho. Daí me perguntaram se eu tinha sido malandro, porque na época era crime ser tatuado. Era uma marca que depunha contra o cara. Eu me arrependi de ter feito e vivi as conseqüências. Comecei a usar mangas compridas, tanto que até hoje acostumei a usá-las. Mas malandro, malandro, não fui não.

O senhor sempre foi muito respeitado, inclusive pela nata da malandragem...

Guilherme: Esse pessoal sabia que eu era antigo. Eu ia com Wilson Batista na Lapa e a Lapa não era um lugar bom pra se freqüentar. Eu ia lá ver meus amigos, mas não freqüentava. Só o pessoal da malandragem mesmo freqüentava. Então o respeito veio daí. Eles sabiam qual era a minha e eu sabia qual era o negócio deles.

Dos quatro discos de carreira que o senhor gravou em 65 anos de carreira, dois vieram nos últimos dois anos. Por quê?

Guilherme: Não sei.
D. Nena: O Guilherme sempre foi muito fiel em tudo. Mas tem uma coisa: o Guilherme foi muito injustiçado todos esses anos. Não houve reconhecimento. ‘Eles’ optavam por um artista e escondiam o Guilherme.

O reconhecimento veio tarde demais?

D. Nena: Ainda está em tempo. Mas podia ter vindo há muito tempo. Há vinte anos eu sei que ele daria tudo dele...
Guilherme: Não, eu nunca me importei com o mal que fizeram a mim e eu desejo que Deus abençoe eles todos...
D. Nena: Até hoje o Guilherme nem cita quem fez. Mas eu como companheira de 61 anos (o casal viveu junto por três anos antes do casamento) vi as injustiça que ele sofria e sempre fui uma revoltada. Deixavam o Guilherme de lado e ele ficava calado. Ele chegou a não querer compor mais. Se o reconhecimento que o Guilherme vem recebendo fosse há 20 anos, a voz dele seria outra. Não sei porque esconderam o Guilherme, sabendo da capacidade dele e do poeta que ele é. Pelas letras do Guilherme você vê. Tinha por que esconder ele tanto tempo? Então ele se revoltou um pouco com o meio e com a vida. E agora com 80 anos é que eles reconheceram.

O senhor acompanhou a música popular nacional desde a era do rádio até os dias de hoje. Qual a principal mudança na sua opinião?

Guilherme: A mentalidade das pessoas mudou muito. Quem vai fazer uma valsa ‘Chão de Estrelas’ hoje? Veja só: antigamente, para ser compositor, o sujeito tinha de ser um bom poeta. Hoje em dia não, é só “não sei o que na bundinha, na calcinha e vai e vai”, que e tá tudo bem.

E a música de Guilherme de Brito, mudou?

Guilherme:Minha música mudou um pouco. A poesia não, haja vista os sambas que eu tenho e as letras que fiz e faço até hoje.

O senhor tem algo que gostaria de falar que não teve oportunidade por conta do esquecimento artístico que viveu durante todo esse tempo?

Guilherme: Não. Eu sempre fui franco e a minha vida, um livro aberto. Eu nunca procurei esconder nada daquilo que eu sofri e nem do lado bom da minha vida, dos bons momentos e da alegria. Não tenho o que reclamar. Acho que o meu destino foi esse. Não tenho nada contra Deus. Quem me fez mal, está feito. Eu agradeço a Deus e que Ele proteja essas pessoas. E vou levando assim. Não sei se com o destaque que eu tenho hoje, eles tão reconhecendo o que fizeram. Sei que eu fui contratado pela Lua Discos e me emocionei muito com isso. Gravei dois discos e já estou preparando o repertório para o terceiro disco. Se eu não lutei com as injustiças quando era moço, não é agora que vou reclamar.

Como vai ser esse novo trabalho?

Guilherme: Eu vou gravar algumas canções inéditas. Entre elas dois boleros muito bonitos com o Evaldo Golvea, uma música com o filho do Ataúfo Alves, uma com Paulinho Tapajós e outras parcerias com compositores novos.

Além dos olhos claros e do seu sobrenome alemão (Guilherme de Brito Bollhorst), uma marca que te diferencia da maioria dos sambistas é a fidelidade; no casamento, que completou ontem 58 anos aqui no Tonico’s, e nas parcerias musicais. O que é fidelidade para o senhor?

Guilherme: A fidelidade me fez muito bem. Eu posso ter sido censurado por alguém mas eu sempre prestei a minha fidelidade e me senti muito bem com isso. O que importa é proceder de uma forma que te deixe tranqüilo. Eu não desejo mal a ninguém. Fidelidade é estar bem com a vida.

Na música “Quando eu me chamar saudades” sua com o Nelson Cavaquinho, o senhor pede “flores em vida”. Isso tem acontecido?

Guilherme: Tem. Principalmente em Conservatória no interior do Rio de Janeiro, onde fizeram até um museu em minha homenagem.
D. Nena: Lá o Guilherme é tratado como um Deus.
Guilherme: Dia primeiro de julho do ano passado toda a minha família estava lá durante uma homenagem que fizeram para mim. No final da programação a população se reuniu e, em desfile, cada um me deu uma rosa.
D. Nena: Outra homenagem, que se a gente sofresse do coração teria morrido, foi o que fizeram com Guilherme no Japão. Eu disse na época para o Guilherme: “Isso tudo que está acontecendo aqui tinha que acontecer no Brasil. Aqui eles estão vendo o seu valor. Será possível que no Brasil eles não vão ver?” Nós dois saímos pela rua que nem dois loucos, chorando, porque depois do show o público invadiu o Hotel, gritando “poeta, poeta!” Nós já estávamos dormindo. Antes, não queriam nem deixar a gente descer do palco. Sempre falo em entrevista que todo artista tem valor e deve ser valorizado em vida. Essa história de chamar viúva pra prestar homenagem ao Guilherme de Brito, eu não vou. Eu quero que ele assista tudo isso em vida.

O que é maior: a tristeza do reconhecimento tardio ou a satisfação pelas flores em vida?

Guilherme: Depois de receber aquelas flores dos moradores de Conservatória eu disse para a minha mulher que quero ser enterrado lá. Não tem alegria maior que estar vivo e ver placas com meu nome na cidade, ter um museu e tanto carinho do povo. Fiquei muito emocionado de saber também que o verso “tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor” é considerado um dos 10 mais bonitos do século na música brasileira. Está tudo bem. Se eu não era nada, agora é show aqui, show ali...

O senhor tem feito mais apresentações em São Paulo que no Rio de Janeiro...

D. Nena: São Paulo tem homenageado muito o Guilherme. Agora no Rio de Janeiro é um showzinho aqui, outro ali. Só houve um show no Rio com o mesmo porte dos realizados em São Paulo; foi o show “Poeta mostra a tua cara”, com a Solange Kafuri. Mas o resto é muito pouco, muito pouco para Guilherme de Brito

Como foi receber o segundo convite em um ano para se apresentar em Campinas?

Guilherme: Eu agradeço muito a Campinas. Deus que proteja essa cidade e o povo que nela habita pela maneira que me receberam na primeira e segunda vez. Foi comovente. Inclusive, fiz até novas amizades aqui. Espero voltar em breve.

O senhor tem medo da morte?

Guilherme: Porra! A morte é um troço que vem naturalmente! Você não vai perceber que morreu. Vai fechar os olhos e o pessoal que fica é que vai sentir. O Roberto Marinho com toda aquela potência veio e foi, assim como eu também posso ir amanhã. Então a gente deve se conformar e não fazer o mal. Essa é a minha teoria. Hoje eu faço questão de não fazer mal a ninguém. A preocupação não é com a morte; é com a vida. Quanto à morte, o dia que ela vier também já vem tarde. Eu sei que eu tenho que ir um dia, o dia que ela vier então... Eu não tenho medo da morte.

D. Nena: A tristeza maior vai ser minha de perder o meu Guilherme. O que ele fez pela vida valeu. Ele foi um bom marido, um bom pai, um bom avô, um bom bisavô, sempre ajuda a quem pode. Nunca negou nada a ninguém, então ele diz que morre tranqüilo.

"Sei que amanhã
Quando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora
Me dê as flores em vida
O carinho, a mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais"

(Quando eu me Chamar Saudades - Guilherme de Brito e Nelson Cavaquinho)



D. Nena, Guilherme de Brito e o jornalista Timóteo Camargo
durante a entrevista no Tonico´s Boteco



 


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